Protestos do 15 de março foram orquestrados pela mídia, dizem jornalistas ativistas

18/03/2015

Daniella Franco

Um clima de festa, uma militância vestida de verde amarela, uma participação de massa, pacífica e contra a corrupção. Foi essa a imagem que a grande mídia brasileira mostrou das manifestações que levaram milhares de brasileiros às ruas no último domingo, dia 15 de março. Um retrato nada parecido com o veiculado pela mídia alternativa ou pelas redes sociais, que mostrou a falta de cultura política de muitos participantes, um clima agressivo, e um protesto com pautas contraditórias. Muitos manifestantes pediam reforma política, outros o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e alguns se manifestaram pelo restabelecimento da ditadura militar.

Para o jornalista Bruno Torturra, da agência de notícias Fluxo, faltou um espírito crítico e honesto na cobertura da mídia tradicional das manifestações de 15 de março. "A falta de visão crítica da mídia antes e durante os protestos foi fundamental até para as pessoas irem às ruas. Na televisão, havia esse sentimento de festa, de celebração e essa insistência de que as manifestações eram seguras, de que as famílias estavam participando, de que tudo era muito lindo", ressalta.

Essa também não foi a impressão da jornalista Larissa Gould, do coletivo Jornalistas Livres, que cobriu a manifestação de São Paulo. "Conversei com pessoas de todas as frentes, mas, em comum, está a ausência de propostas. Todos estão insatisfeitos, o que é legítimo, porque, de fato, o país passa por um momento crítico de corrupção. Mas quando eu perguntava : ‘mas se sai a presidente Dilma, o que se faz ?’ Ninguém sabia responder".

Para Larissa, a cobertura jornalística da grande mídia falhou ao não mostrar o lado negativo dos protestos. "Houve violências, agressões, bandeiras de partidos sendo rasgadas. Mas só o que se viu, principalmente na televisão, foi a grande festa da democracia e a insatisfação plena contra o governo", diz.

A jornalista também critica a falta da cobertura das manifestações de sexta-feira (13), convocada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) pela defesa da Petrobras, dos direitos trabalhistas e da reforma política.

Debate político carregado de ódio

"Há muita sede de participação e de opinião, mas há pouca compreensão das regras básicas da política e até mesmo das próprias eleições", diz Bruno Torturra. Para ele, o debate político no Brasil ainda é carregado de ódio, o que é preocupante. "As pessoas confundem raiva com politização, caças às bruxas com opinião política", observa.

O jornalista acredita que é controverso que a grande mídia tenha classificado as manifestações de pacíficas. "É relativo chamar de pacífico um protesto que prega o ódio, que pede a volta do regime militar ou que expulsa um manifestante que está vestido de uma cor diferente da maioria", declara, referindo-se aos casos de violência contra as pessoas vestidas de vermelho durante a mobilização de domingo.

Função de um partido político

Segundo o professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a convocação das manifestações foi essencialmente realizada pelas grandes mídias brasileiras. O fenômeno, para ele, é uma prova de que os partidos políticos estão sem capacidade de mobilização. "A televisão cumpriu, pela primeira vez, a função de um partido político", ressalta.

O professor também critica a insistência da televisão em mostrar uma participação de massa dos brasileiros nos protestos de domingo. "Foi uma manifestação muito pequena. Reunir 210 mil pessoas em São Paulo é muito pouco. No resto das cidades, o número de pessoas foi pífio", observa.

Muito além do que criticar um protesto das classes mais altas, para Ouriques, a grande questão é porque as classes populares ainda não acordaram. "Há 40 milhões de pessoas que não votaram nem na Dilma ou no Aécio. Ou seja, o silêncio no Brasil ainda é muito maior do que a manifestação da elite branca, empresarial e pró-Washington", finaliza.

Fonte: RFI


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